ARTICLES
FOOD TECHNOLOGY
Amylose content in rice (Oryza sativa) affects performance, glycemic and lipidic metabolism in rats
Teor de amilose do arroz (Oryza sativa) afeta o desempenho, metabolismo glicêmico e lipídico em ratos
Cristiane Casagrande DenardinI, 1; Nardeli BoufleurI; Patrícia ReckziegelI; Leila Picolli da SilvaII; Melissa WalterIII
INúcleo Integrado de Desenvolvimento em Análises Laboratoriais (NIDAL), Departamento de Tecnologia e Ciência de Alimentos (DTCA), Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
IIDepartamento de Zootecnia, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil
IIIDepartamento de Fitotecnia, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil
ABSTRACT
Esta pesquisa teve como objetivo avaliar o efeito de dietas com alto, intermediário e baixo teor de amilose do arroz no desempenho, metabolismo glicêmico e lipídico em ratos. Os ratos Wistar machos foram alimentados com dietas com grãos de arroz cozido das cultivares “IRGA 417”, “IRGA 416” e “MOCHI” com alto, intermediário e baixo teor de amilose, respectivamente. A produção fecal úmida e seca e o colesterol HDL sérico não foram afetados pelo teor de amilose. Os animais nos tratamentos com alto conteúdo de amilose (‘IRGA 417’) apresentaram menor ingestão de ração, ganho de peso corporal e digestibilidade aparente, maior conteúdo de água fecal e excreção de nitrogênio, pH fecal reduzido, menor resposta de glicose no sangue pós-prandial, níveis séricos de colesterol total e triglicérides e peso do pâncreas, e maior concentração sérica de glicose em jejum e peso hepático. A relação amilose:amilopectina afeta significativamente a digestão do amido de arroz no trato gastrointestinal, afetando alguns parâmetros biologicamente relevantes.
Palavras-chave: grãos de arroz, hiperglicemia, respostas metabólicas, ratos.
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito de dietas com alto, intermediário e baixo teor de amilose sobre o desempenho, metabolismo glicêmico e lipídico em ratos. Foram utilizados ratos machos Wistar alimentados com rações experimentais elaboradas com grãos de arroz cozido das cultivares ‘IRGA 417’, ‘IRGA 416’ e ‘MOCHI’ com alto, intermediário e baixo teores de amilose, respectivamente. A produção de fezes úmidas e secas e colesterol HDL não foram afetados pelo teor de amilose dos grãos. Os animais submetidos ao tratamento com alto teor de amilose (IRGA 417) apresentaram menores consumo, ganho de peso e digestibilidade aparente, maiores umidade nas fezes e excreção de nitrogênio, reduzido pH fecal, concentração plasmática posprandial de glicose, colesterol total, triglicerídeos e peso do pâncreas e maior concentração de glicose no jejum e peso do fígado. A proporção amilose e amilopectina nos grãos afeta significativamente a digestão do amido de arroz no trato gastrointestinal, afetando alguns parâmetros biologicamente relevantes.
Palavras-chave: grãos de arroz, hiperglicemia, resposta metabólica, ratos.
INTRODUÇÃO
Arroz (Oryza sativa) é consumido por 2/3 da população mundial e pelo menos para metade deles (incluindo muitos países da América Latina, Ásia e ilhas do Pacífico) é a principal fonte de energia na dieta (HU et al.., 2004). Esta popularidade deve-se especialmente ao facto do arroz ser um alimento de baixo custo, de preparação fácil e rápida, e versátil, combinando diferentes pratos. Este cereal é composto principalmente de carboidratos, que estão presentes principalmente como amido (90%) no endosperma (COFFMAN & JULIANO, 1987), com quantidades variáveis no grão devido a fatores genéticos e ambientais. Além disso, a taxa e extensão da digestão do amido pode ser influenciada por diferentes fatores, incluindo a variação da razão amilose:amilopectina, processamento dos grãos (especialmente parboilização), propriedades físico-químicas (particularmente características de gelatinização), tamanho das partículas e presença de complexos lipido-amilose (HU et al, 2004).
As principais diferenças na composição do amido que influenciam as propriedades físico-químicas e metabólicas do arroz são causadas pela variação na razão de suas duas macromoléculas, amilose e amilopectina. A amilose é essencialmente uma molécula linear na qual as unidades de D-glucose estão ligadas por ligações glucosídicas a-1,4, enquanto a amilopectina, um polímero ramificado, contém ligações a-1,4 e a-1,6. Pesquisas de FREI et al. (2003) relatam grandes variações na razão amilose:amilopectina em grãos de arroz de diferentes variedades que permitem sua classificação como ceroso (1-2% amilose), muito baixo teor de amilose (2-12%), baixo teor de amilose (12-20%), teor de amilose intermediário (20-25%) e alto teor de amilose (25-33%) (COFFMAN & JULIANO, 1987). Considerando os efeitos metabólicos, FREI et al. (2003) relatam que alimentos ricos em amilose estão associados a níveis mais baixos de glicose no sangue e a um esvaziamento mais lento do trato gastrointestinal humano em comparação com aqueles com baixos níveis desta macromolécula. Estas condições são relevantes, especialmente na formulação de dietas para diabéticos, porque a digestão e absorção mais lentas dos carboidratos ajudam a manter níveis regulares de glicose no sangue e a reduzir a resposta à insulina, provavelmente devido ao aumento do tempo de trânsito intestinal (BEHALL et al., 1988). Essa variação, associada ao processamento de alimentos, pode resultar em diferentes respostas glicêmicas e insulinêmicas e perfis hormonais (GODDARD et al.., 1984).
Por isso, considerando esses aspectos, o fato de que as preferências da população brasileira pela qualidade alimentar do arroz variam de acordo com a região, e que isso está relacionado à razão amilose:amilopectina nos grãos de diferentes cultivares, essa pesquisa teve como objetivo avaliar o efeito das dietas com grãos de arroz cultivados no Brasil com alto, intermediário e baixo teor de amilose no desempenho, metabolismo glicêmico e lipídico em ratos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Três dietas foram formuladas de acordo com a recomendação do American Institute of Nutrition (AIN) (REEVES et al., 1993), por substituição integral do amido de milho, e por substituição parcial da caseína, óleo de soja e fibra por grãos de arroz cozido das cultivares “IRGA 417”, “IRGA 416” e Mochi, obtidas da Estação Experimental de Arroz do IRGA (Cachoeirinha/RS), no ano de 2004. Os grãos de arroz eram tradicionalmente cozidos (1:2 c/v), secos ao ar quente a 50°C, moídos e imediatamente para fazer uso dos produtos das dietas. Essas três dietas formaram os tratamentos; ‘IRGA 417’: dietas formuladas com grãos de arroz cozidos da cultivar ‘IRGA 417’, com 22,95% de amilose; ‘IRGA 416’: dieta formulada com grãos de arroz cozidos da cultivar ‘IRGA 416’, com 17.42% de amilose; MOCHI: dieta formulada com grãos de arroz cozidos da cultivar ‘Mochi’, com 2,92% de amilose.
O Comitê de Ética e Cuidados com Animais de Laboratório da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) concordou com o protocolo de estudo (23081.004118/2007-34). Vinte e quatro ratos Wistar (F1) machos (Rattus norvegicus albino) (59,2±5,2g; idade: 21 dias) foram obtidos do “Biotério Central” da UFSM e foram distribuídos aleatoriamente entre os tratamentos (8 animais/tratamento), sendo alojados individualmente em gaiolas metabólicas, com livre acesso a ração e água. O período de adaptação às dietas experimentais foi de 5 dias. Depois disso, iniciou-se o período experimental (25 dias), quando a determinação da ingestão de ração e a coleta de fezes era feita diariamente. O peso corporal dos animais era registrado a cada três dias. Estes dados e amostras foram coletados para determinar a ingestão de ração, ganho de peso corporal, digestibilidade aparente da matéria seca, produção de fezes úmidas e secas, conteúdo de água fecal, pH fecal e excreção de nitrogênio fecal.
Após o quinto dia de adaptação, os animais foram selecionados aleatoriamente, a cada dois dias, em grupos de 6 (dois animais/tratamento) para a análise da resposta à glicemia pós-prandial e estes animais foram então excluídos das seleções seguintes. Após um jejum de 12 horas, os animais foram alimentados com 2g de uma das dietas do teste, que foi totalmente consumida em um período de 20min. Amostras de sangue da veia caudal foram colhidas em jejum (antes do consumo da refeição) e 15, 30, 45, 60, 90 e 150 minutos após a refeição para medir os níveis séricos de glicose, que foram determinados utilizando o kit de monitorização Accu-Chek Active® (Roche – São Paulo – Brasil). Após a análise da resposta à glicemia pós-prandial de todos os animais, houve um período de dois dias para os animais se recuperarem do estresse causado pelo jejum e manuseio, e então iniciou-se o período experimental.
No último dia experimental, após um jejum de 12 horas, os animais foram pesados, anestesiados e mortos por punção cardíaca, e o sangue foi coletado para quantificação da glicemia sérica, colesterol total, colesterol HDL e triglicerídeos. O fígado e o pâncreas foram imediatamente retirados e pesados para a determinação do seu peso (como g 100g-1 de peso animal). Durante o período de adaptação e experimental, a temperatura foi mantida em 21 1°C, e a iluminação foi controlada por períodos alternados de 12h de claro e escuro.
O valor de amilose foi determinado de acordo com a técnica iodimétrica (Valor Azul), descrita por GILBERT & SPRAGG (1964). As determinações do teor de água fecal (105°C/12h) e de nitrogênio fecal (Micro-Kjeldahl) foram realizadas de acordo com os métodos mencionados na Association of Official Analytical Chemists (AOAC, 1998). O pH fecal foi obtido a partir de uma solução de 1g de fezes parcialmente secas (60°C/48h) em 10ml de água destilada. A digestibilidade aparente da matéria seca (AD) foi calculada como a proporção de alimentos ingeridos que não foi posteriormente recuperada nas fezes. A glicose sérica, colesterol total, colesterol HDL e triglicerídeos no sangue foram determinados com os kits Glucox 500, Colesterol Enzimático 250, Colesterol HDL e Triglicerídeos Enzimáticos Líquidos, respectivamente, da Doles® (Goiânia, Goiás, Brasil).
O experimento foi realizado em um desenho completamente aleatório. Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), com a média comparada pelo teste de Duncan a 5% de significância. Todos os resultados foram expressos como o erro padrão do valor médio (SE). As análises estatísticas foram realizadas usando SPSS para Windows 8.0.
RESULTA E DISCUSSÃO
Ganho de peso corporal dos animais foi significativamente maior nos tratamentos MOCHI (baixo teor de amilose) e IRGA 416 (amilose intermediária) do que no tratamento com alto teor de amilose (IRGA 417). A ingestão média de alimentos no tratamento MOCHI foi significativamente maior do que nos outros dois tratamentos (Tabela 1).
A maioria das pesquisas realizadas com ratos e humanos não relatam nenhum efeito do conteúdo de amilose no consumo e ganho de peso corporal (GODDARD et al., 1984; KABIR et al., 1998). Contudo, ZHOU & KAPLAN (1997), avaliando a digestibilidade de duas fontes de amido, batata com 70-75% de amilopectina e milho com 70% de amilose, numa experiência com ratos durante quatro semanas, também observou uma ingestão significativamente maior de ração com a dieta rica em amilopectina, embora não tenha sido observado qualquer efeito no ganho de peso corporal. Normalmente os grãos de arroz com baixo teor de amilopectina são mais palatáveis (RAMIREZ, 1991), o que pode explicar a maior ingestão alimentar que, associada à maior digestibilidade da amilopectina, influenciou o ganho de peso corporal dos animais. Esta hipótese é apoiada pela pesquisa realizada por SCLAFANI et al. (1987) com ratos, que demonstraram que os animais possuem receptores que discriminam entre os sabores dos carboidratos como o amido, o que leva à preferência pelo consumo de amido de cadeia ramificada (amilopectina) em vez do amido não ramificado (amilose).
A digestibilidade da matéria seca aparente (AD) foi significativamente maior nos tratamentos com conteúdo de amilose intermediário (IRGA 416) e baixo (MOCHI) (Tabela 1). Estudos de digestibilidade baseados na análise do amido nas fezes demonstraram uma digestão quase completa (99,9%) de amido de cultivares de arroz cozidos e crus cerosos e não cerosos em ratos e humanos (EGGUM et al., 1993). Entretanto, devido ao fato das dietas serem isoproteicas, isolípidas e isocalóricas, as diferenças na digestibilidade observadas no presente estudo podem ser explicadas pelas diferenças na estrutura molecular entre amilose e amilopectina. A amilose, tendo uma cadeia essencialmente linear e embalada, é mais compacta no grânulo, o que dificulta o acesso das enzimas digestivas; pelo contrário, a molécula de amilopectina, tendo uma cadeia ramificada, permite maior acesso a estas enzimas. Assim, a amilose pode não ser totalmente digerida pelas enzimas do trato gastrointestinal, sendo parcialmente excretada nas fezes (BEHALL et al., 1988; GODDARD et al., 1984), levando ao menor AD observado no tratamento com maior teor de amilose (IRGA 417). Estudos da digestibilidade in vitro de cultivares de arroz com conteúdo variável de amilose reforçam essa hipótese, com as cultivares com maior conteúdo de amilose mostrando uma digestibilidade menor do que aquelas com baixo conteúdo de amilose (HU et al., 2004; FREI et al., 2003).
Apesar de a produção fecal úmida (PAM) e seca (DFP) não terem sido afetadas pelo conteúdo de amilose, tratamentos com conteúdo intermediário e baixo conteúdo de amilose mostraram um conteúdo significativamente menor de água fecal (FWC) (Tabela 1). O aumento do conteúdo de água fecal no tratamento com amilose elevada (IRGA 417) confirma a menor digestibilidade da amilose pelas enzimas no trato gastrointestinal. Estudos demonstraram que um maior conteúdo de carboidratos de digestão lenta e/ou indigesta no intestino grosso e ceco resulta em aumento da atividade microbiana e excreção, composta por 80% de água, e pode representar uma porcentagem significativa do volume fecal (CHERBUT et al., 1997), justificando o maior conteúdo de água fecal dos animais sob tratamento com IRGA 417. Este aumento no conteúdo de água fecal é importante para prevenir constipação e hemorróidas, bem como para fornecer substrato para o crescimento microbiano, o que aumenta a produção e concentração de produtos potencialmente protetores enquanto dilui a concentração de compostos potencialmente tóxicos (CHERBUT et al., 1997).
A redução do pH fecal e o aumento da excreção de nitrogênio fecal também demonstram o aumento da atividade microbiana observada no tratamento com alto conteúdo de amilose (IRGA 417) (Tabela 1). A partir dos resultados, pode-se levantar a hipótese de que quanto maior o teor de amilose na dieta, mais substrato disponível para fermentação, que ao atingir o cólon, é fermentado pela flora bacteriana, resultando na produção de ácidos orgânicos. Parte destes ácidos é utilizada pelo organismo, sendo uma importante fonte de energia para o cólon, além de ser responsável pela modulação da resposta imunológica e da flora intestinal (BROUNS et al., 2002). Estudos epidemiológicos iniciais indicam que alguns ácidos graxos de cadeia curta, especialmente propionato e butirato, podem reduzir em 25-30% o risco de câncer colorretal, ajudando na manutenção da saúde intestinal e reduzindo os fatores de risco associados ao desenvolvimento de inflamação intestinal (BROUNS et al., 2002). A outra parte dos ácidos produzidos é excretada nas fezes, resultando no menor pH observado no tratamento com alto teor de amilose (IRGA 417), o que é desejável para a manutenção da microflora intestinal.
O aumento da excreção de nitrogênio fecal é também uma indicação de aumento da atividade fermentativa com maior teor de amilose (IRGA 417) (Tabela 1). Um resultado semelhante foi observado por YOUNES et al. (1995) que, adicionando frações indigestas de amido à dieta de ratos, observaram aumento significativo na excreção de nitrogênio fecal, que normalmente está associado ao desenvolvimento considerável da microflora cecum, uma vez que a decomposição de altas quantidades de carboidratos aumenta a incorporação de nitrogênio nas proteínas bacterianas. O nitrogênio necessário para o crescimento bacteriano ideal é fornecido por proteínas que escapam da quebra do intestino delgado, proteínas endógenas (secreções pancreáticas e intestinais, células epiteliais preguiçosas), ou uréia do sangue que se difunde pelo conteúdo digestivo (YOUNES et al., 1995). Portanto, o aumento da excreção de nitrogênio fecal poderia corresponder a um aumento da excreção fecal de proteínas bacterianas e à mudança da excreção de nitrogênio da urina para as fezes (DEMIGNÉ & RÉMÉSY, 1982). Esta mudança na excreção de nitrogênio da urina para as fezes pode ajudar no manejo de doenças renais crônicas (YOUNES et al., 1995).
Embora a resposta glicêmica aos 15 minutos fosse similar em todos os tratamentos, os animais nos tratamentos com conteúdo de amilose intermediário (IRGA 416) e baixo (MOCHI) apresentaram maiores respostas de glicose sanguínea pós-prandial nos outros pontos da curva (60min) em comparação com os animais no tratamento com alto conteúdo de amilose (IRGA 417) (Figura 1). Similar aos resultados observados no presente trabalho, KABIR et al. (1998), avaliando o efeito do conteúdo de amilose na resposta glicêmica em ratos, observaram que o consumo de uma dieta rica em amilose por três semanas reduziu a resposta pós-prandial à glicemia, a incorporação de glicose nos lipídios e nos blocos de gordura epidídica dos animais. Da mesma forma, GODDARD et al. (1984) e BRAND MILLER et al. (1992), avaliando o efeito do aumento do conteúdo de amilose de cultivares de arroz sobre a resposta glicêmica em humanos, também observaram que o conteúdo de amilose está diretamente relacionado com as respostas glicêmicas e insulinêmicas.
A maior resposta à glicemia pós-prandial nos animais submetidos a tratamento com intermediário (IRGA 416) e baixo (MOCHI) conteúdo de amilose é explicado pela menor digestibilidade deste polímero quando comparado à amilopectina. Embora não significativa, a menor resposta glicêmica nos tratamentos com alto teor de amilose é especialmente importante para pacientes com diabetes, ajudando na manutenção de níveis regulares de glicose no sangue. Segundo JENKINS et al. (1987), dietas com alto teor de carboidratos, particularmente na forma de carboidratos de alto índice glicêmico, estão relacionadas a vários efeitos deletérios como hiperinsulinemia pós-prandial, disfunção das células ß com posterior desenvolvimento de resistência à insulina, obesidade, aterosclerose, entre outras doenças crônicas na sociedade moderna.
Alguns pesquisadores relacionam altas concentrações de glicose no sangue como sendo o principal fator determinante de altas concentrações séricas de colesterol total e triglicérides, influenciando a progressão de doenças coronárias e diabetes não dependente de insulina (ZAVARINI et al, 1989). No presente trabalho, os níveis séricos de colesterol e triglicerídeos foram maiores nos tratamentos com maior resposta glicêmica (IRGA 416 e MOCHI) e o colesterol HDL sérico não foi afetado pela dieta (Tabela 1).
Similarmente ao observado no presente trabalho, BEHALL et al. (1988), avaliando o efeito de dietas com 30 e 70% de amilose em humanos, não observaram diferenças significativas no colesterol HDL sérico e observaram uma diminuição significativa nos níveis séricos de triglicérides, insulina e colesterol total após o consumo de uma dieta rica em amilose em comparação com uma dieta rica em amilopectina. Foi observado nestas pesquisas que o uso de uma dieta rica em amilose pode ser benéfica para pessoas com intolerância a uma dieta com carboidratos padrão e para pacientes obesos e diabéticos com níveis elevados de glicose e insulina plasmática e aparente resistência insulínica. Da mesma forma, JENKINS et al. (1987) e PAWLAK et al. (2004), avaliando o efeito de dietas com alto e baixo índice glicêmico em humanos e animais, respectivamente, concluíram que dietas com menor resposta glicêmica diminuem a glicemia pós-prandial, triglicérides e colesterol total, e danos causados às ilhotas pancreáticas.
Este fato também pode ser explicado pela relação entre a digestibilidade do amido e seu efeito no metabolismo glicêmico hepático. Chegando ao fígado, a glicose originada pela degradação do amido segue três vias principais: a) transportada para o sangue, a fim de manter sua concentração suficientemente alta para fornecer energia ao cérebro e outros tecidos; b) convertida em glicogênio, armazenado no fígado e nos músculos; c) convertida em ácidos graxos, transportados pelos triglicérides (LINDER, 1991). A amilopectina, sendo mais facilmente degradada, proporciona um maior fluxo de glicose para o fígado quando comparada à amilose, dentro do mesmo período de tempo. Este fluxo maior produz excesso de glicose no fígado, que será metabolizada em ácidos gordos, e transportada pelos triglicéridos e colesterol para ser armazenada no tecido adiposo, resultando num aumento dos triglicéridos séricos e do colesterol.
No entanto, é importante ressaltar que, ao contrário do esperado, a concentração sérica de glicose em jejum dos animais submetidos ao tratamento com intermediário (IRGA 416) e baixo teor de amilose (MOCHI) foi menor em comparação com os do tratamento com IRGA 417 (Tabela 1). De acordo com BENTON (2002), a ingestão frequente de dietas contendo grandes quantidades de amido tem sido associada à resposta hipoglicêmica várias horas após a refeição. Este evento, também conhecido como hipoglicemia reactiva ou hipoglicemia alimentar (pós-prandial), pode ser produzido pelos elevados níveis de insulina libertados durante um período prolongado após a refeição, de modo a que os níveis de glicose no sangue caiam a tal ponto que a actividade cerebral seja interrompida. A hipoglicemia em jejum ocorre mais frequentemente em pacientes diabéticos que fazem uso de insulina para o tratamento da diabetes mellitus. Entretanto, uma série de outros distúrbios também estão associados à hipoglicemia, como insulinoma, deficiências endócrinas, hipoglicemia reativa pós-prandial e distúrbios metabólicos hereditários.
O diferente conteúdo de amilose das dietas experimentais também afetou o peso do pâncreas, que foi maior nos tratamentos com conteúdo intermediário (IRGA 416) e baixo (MOCHI) de amilose. O peso hepático foi maior nos animais submetidos ao tratamento com alto conteúdo de amilose (IRGA 417) (Tabela 1).
As pesquisas com animais avaliaram o efeito de dietas contendo amidos com diferentes digestibilidades no peso de órgãos como fígado e rim (KABIR et al., 1998; KIM et al., 2003), porém não foram encontradas pesquisas avaliando o peso do pâncreas. O pâncreas é o principal órgão responsável pela produção, armazenamento e secreção de hormônios e enzimas responsáveis pela digestão e pelos níveis de glicose no sangue (insulina e glucagon). Assim, este aumento no peso do pâncreas dos animais submetidos a tratamento com intermediário (IRGA 416) e baixo teor de amilose (MOCHI) pode ser explicado pelo aumento da atividade metabólica neste órgão, uma vez que a amilopectina, sendo mais rapidamente digerida que a amilose, pode produzir um aumento mais acentuado nos níveis sanguíneos de glicose pós-prandial, exigindo uma maior produção de insulina pelo pâncreas para regular estes níveis aumentados. Assim, esta maior necessidade de insulina pelo metabolismo promove uma hipertrofia e/ou acumulação hormonal neste órgão, o que pode explicar o aumento do peso do pâncreas observado nos animais dos tratamentos que contêm um conteúdo intermediário e baixo de amilose (IRGA 416 e MOCHI). Além disso, PAWLAK e colegas (2004), ao estudar o efeito de dietas com alta e baixa resposta glicêmica sobre o metabolismo glicêmico e lipídico em ratos, observaram que as ilhotas pancreáticas dos animais que consomem uma dieta de alta resposta glicêmica mostraram um aumento significativo na proporção de células anormais β, com grave perturbação da arquitetura das ilhotas e fibrose das ilhotas, o que poderia resultar em um aumento no peso do órgão.
Como para o peso hepático dos animais, não foram observadas diferenças no peso do órgão em resposta a dietas com digestibilidades diferentes (KABIR et al.., 1998; KIM et al., 2003), enquanto outros (ZHOU & KAPLAN, 1997) observaram que o peso do fígado era significativamente menor nas dietas de baixa digestibilidade, não tendo sido observado qualquer efeito da razão amilose:amilopectina. No presente estudo, o peso hepático também não se correlacionou com a razão amilose:amilopectina em grãos de arroz, uma vez que os tratamentos com baixo (MOCHI) e alto (IRGA 417) conteúdo de amilose apresentaram maior peso de órgãos.
CONCLUSÃO
A razão amilose:amilopectina afeta significativamente a digestão do amido de arroz no trato gastrointestinal. Assim, o teor de amilose, normalmente utilizado para avaliar algumas propriedades do consumo do produto, pode auxiliar na escolha do grão a ser utilizado na dieta, visando controlar alguns parâmetros biologicamente relevantes, como as concentrações de glicose e triglicerídeos no sangue.
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